Zunidos, sandices, amores e refregas de um pernilongo filósofo.

Wednesday, December 20, 2006

Parido pelo inimigo.

Meu amigo Ari, Aristóteles, uma ave vira-bosta de cultura espantosa, vive reclamando do próprio nome. Acha-o longo e chato demais. Como a noite dos insones e as novelas do Manoel Carlos. Pobre Ari. Nem mesmo ele que sabe tudo, latim, alemão, filosofia, química, endemias rurais, está livre de cair no mais puro engano. Porque há nomes muito piores por aí, meu caro Ari.

Herodes. Hitler. Mussolini. Jim Jones. Crápulas, facínoras, safados e cretinos ordinários como esses fizeram pouco se comparados com uma espécie de criminoso muito comum que circula impune e vagabundo por aí: o pai que escolhe nomes esdrúxulos para uma criança.

Você, canalha que dá golpe em aposentados! Cretino que obriga sua namorada a fazer um aborto! E você também, verme político que se diz honesto, concede a si próprio um aumento salarial de 91% e aceita ganhar uma dinheirama e um sem número de privilégios em um país miserável! Algum de vocês, por mais sujas que estejam suas fichas, seria capaz de impingir a um recém-nascido o nome de Ermelino?

Ou Valdemar? Adilson? Alberto? Juarez? Benito? Jacinto? Percival?

Bem, todos esses ainda são melhores que os chamados nomes de plástico. Márcio, Marcelo, Vitor, Rodrigo, por exemplo, são uns nomezinhos sem-vergonha. Geralmente, o sujeito com um nome desses é interessante como uma empada murcha.

E Orlando, então? Que mãe teria prazer em amamentar uma criança chamada Orlando?
O sujeito vai crescer e virar operador de telemarketing. Para falar tudo no gerúndio.

- Meu nome é Orlando. Vou estar avisando que se o senhor não estiver pagando seu cartão até amanhã eu vou estar enviando seu CPF para o SPC.

Você, seu pulha da torcida organizada, acha mesmo que um nome estapafúrdio combina com um bebê inocente? É ou não é um calhorda o pai que batiza uma criança com um nome de gosto duvidoso, condenando-a à danação eterna na escola e ao castigo de se apresentar a alguém e assistir a pessoa segurar a risada?

Fosse o mundo mais justo, um pai ou uma mãe desses devia passar um tempo na cadeia por crime premeditado. Imagine uma cela cheia de bandidos recém-chegados. Para descontrair, incentivados por um palestrante indiciado por estelionato eles começam a se apresentar uns aos outros.

— Eu sou Chimbica. Matei vinte e dois na procissão. Muito prazer!
— Meu nome é Coquinho. Joguei minha mãe do viaduto.
— Canibal. Assaltei a igreja e comi o padre.
— E você aí, ó do bigodinho! Qual é a sua graça?
— É José.
— E qual é o seu crime?
— Batizei meu filho como Amarildo. Fui preso em flagrante.
— Pega ele, rapaziada!

Esquadrões de agentes especiais passariam a freqüentar os shows de pagode e música sertaneja atrás desses criminosos. O cantor, um agente disfarçado, jogaria a isca para seus colegas misturados ao público identificarem os bandidos.

“Todo mundo com a mãozinha pra cima aí, gente! Tira o pé do chão!”

E os policiais se preparariam para o ataque.

“Agora só as babás que espancam os filhos dos outros!”

“E cadê os taxistas que enganam o cliente no troco?”

Delírio na platéia!

“Só os sacanas de Recursos Humanos que exploram funcionários xucros!”

A cada nova isca, mais e mais apreensões. Até o cantor encher o peito para o golpe final:

“Quem tem uma filha chamada Odete levante a mão!”

A polícia bateria recordes de prisões.

De fato, seria uma grande idéia punir aqueles que atentam contra o futuro de uma criança. Evitaria a tristeza de gente como o Mercicleiton da Silva Júnior. Passou uma infância sofrida, alvo da troça alheia. Cresceu odiando o próprio pai, o velho Merção, dono da padaria. Canalha supremo, além de estender ao filho a desgraça de seu nome, o velho vivia tentando obrigá-lo a abandonar o sonho de ser maquiador para assumir os negócios da família.

Júnior já havia desistido de lutar contra a vontade do pai. Aceitaria o destino desgraçado de ser o Mercicleitinho padeiro. No entanto, abalado com a morte de seu único e melhor amigo, o Loprefâncio, Mercicleiton Júnior embebeu em álcool dúzias de rosquinhas açucaradas de produção caseira e amarrou-as ao próprio corpo.

Entrou na padaria, tocou fogo na rosca e pôs fim a sua história trágica.

O pai de Juninho nunca assumiu a culpa. E de tanto ouvir sua mulher repetir “eu avisei! Eu a-vi-sei!”, mandou-a embora e se casou com outra, trinta anos mais jovem, que agora está esperando um bebê.

Só para confirmar sua personalidade criminosa, Merção mal consegue dormir. Passa o tempo todo tramando o nome do pequeno.

Tibúrcio? Licurgo? Rolinelson? Nicolau...”

É, Aristóteles. Podia ser bem pior.