Zunidos, sandices, amores e refregas de um pernilongo filósofo.

Tuesday, August 25, 2009

Inseto que suga inseto tem cem anos de afeto.

Zelito, um pernilongo meu amigo de infância, veio me visitar em Brasília. Esteve aqui em minha casa a semana passada inteira, sugando o gorduroso sangue parlamentar. Passou dias de fartura, canudo espetado na carne de deputados, senadores, bajuladores e toda essa gentinha que pulula nas auréolas das tetas públicas.

Em sua última refeição antes de embarcar de volta para casa, Zelito encheu a pança nas veias de um líder de partido absorto nas manobras para manter sua vergonhosa mamata. Acostumado a sugar os cofres públicos, o parlamentar percebeu a presença da muriçoca em sua carne e tentou esmagá-la com um tapa de mão aberta, a mesma que distribui cargos de assessor a parentes e amigos e dá a seu país uma despesa mensal de milhões.

Zelito, malandro, voou para longe do alcance do sujeitinho irritado. De barriga cheia, divertiu-se com os insultos de sua vítima.

- Pernilongo filho da puta!

E meu amigo respondeu zunindo, satisfeito:

- Pode ser. Mas eu sou assim por obra da natureza. Vossa Excelência é um self-made man.

Grande Zelito!

Monday, August 24, 2009

Lagartixas, sapos e parasitas.

De tudo que nós, pernilongos, mais odiamos na vida, nada se compara aos sapos, às lagartixas e a qualquer criatura disposta a soltar a língua pegajosa e ferina para o mal de nossa espécie. Mas há outros tipos por aí que não deixam por menos. A lista é imensa, repleta de pulhas desprezíveis e imbecis virulentos. Como os donos de casa noturna. Pode reparar. Geralmente são idiotas acima dos quarenta anos com camisa apertada e cérebro espremido. Gente a quem o dinheiro sempre faz mal.

Depois vêm os síndicos. Racinha da pior espécie. Pior ainda que as lesmas e taturanas que vivem se arrastando por aí. Bando de inúteis interessados apenas em não pagar o condomínio.

Logo ao lado está aquela gente que ouve uma história alheia e rebate com um caso idêntico em que ela própria se envolveu, sempre com pessoas melhores, situações peculiares, lugares insuperáveis e enredos mais interessantes. Em cada frase, a entrelinha “EU SOU MELHOR QUE VOCÊ!”

Seu parente mais próximo é a gentalha que adora ouvir a própria voz, sobretudo quando o assunto são seus feitos heróicos e suas qualidades. Nunca sua hemorróida para fora, sua placa bacteriana, sua ojeriza de gente com opiniões diferentes e sua flatulência incontrolável. A cada frase, a entrelinha “EU CONTINUO MELHOR QUE VOCÊ!”

Há também os pseudoartistas. Sabe aquelas antas metidas a atores, compositores, instrumentistas e afins? Elas mesmo. Quem fala com cuspinho também enche o saco, sobretudo em tempos de gripe suína. A fauna é extensa.

E depois de uma miríade de patifes sem vergonha, no topo da lista estão eles. Os maus políticos, os assessores desses maus políticos, os beneficiários de cargos de confiança inúteis, geralmente nomeados pelos maus políticos, e os puxa-sacos desses maus políticos. Ah! E as mães de todos eles também! Picada na bunda dessa corja!

Friday, August 21, 2009

Eu voltei. Agora é pra picar.

Os jornalistas especializados em política podem viver às voltas com o poder. Podem circular cheios de empáfia pelos gabinetes dos Senadores, deputados, ministros, juízes do STF. Até tomar cafezinho na sala do Lula eles podem. Tudo para depois escrever suas colunas, encher a linguiça de seus blogs e exibir na TV o quanto são próximos dos poderosos. Mas ninguém, em toda história da crônica política, gozou de tanta facilidade para penetrar em salas fechadas, frequentar círculos proibidos, assistir a reuniões secretas, enfim, nenhum mortal teve tanto acesso aos bastidores do poder quanto eu: um pernilongo.

Preparem-se! Eu vou contar tudo!

Muito prazer! Zanzivélzio!

É esse mesmo o meu nome. Zanzivélzio. Primeiro e único. Pode digitar no google, entre aspas, e conferir. ZAN-ZI-VÉL-ZIO. Só há um nesse mundo de Meu Deus. Euzinho, um pernilongo.

Já fui um desses voadores que aporrinham a noite dos bípedes orelhudos. Eles, os que dormem de meia. E roncam e fazem pum embaixo da coberta. Eles a quem os cientistas e nerds e jornalistas do Globo Repórter chamam de seres humanos. Mas que para nós, as muriçocas, são apenas os velhos provedores mesmo. Marmiteiros. Mantêm a nossa comida quentinha. Quero dizer, a comida da minha espécie. Porque eu mesmo parei faz tempo com esse negócio de tomar sangue. Virei vegetariano. Hoje vivo de amora, beterraba, pitanga e luz do sol.

Minha mudança de cardápio, devo à Zenaide, uma maria-fedida do movimento hippie para quem andei arrastando as asinhas. Foi zunzunzum daqui, zunzunzum dali e, quando vi, estava na maior zoeira com ela.

A paixão andava bem. Mas aí deu zebra. Zenaide era casada com o Zicão, um marimbondo-cavalo que ouviu o zunzunzum da vizinhança e partiu para cima de mim com o ferrão envenenado. Escondi-me em casa de amigos, mas logo fui descoberto. Trocava o esconderijo, logo me achavam. Zicão espalhou capangas de seu enxame por todo lado. Aquela vizinhança havia se tornado pequena demais para nós dois mil.

Sem saída, fui obrigado a fugir de minha terra natal.

Voei duas semanas seguidas, parando apenas para banhar o corpo, cravar o bico em jabuticabas, goiabas, mexericas e outras frutas que apareciam no caminho. Dormia algumas horas e retomava minha jornada.

Até que cheguei a um planalto cinza e extenso. Um canto escondido do mundo, que ia até onde a vista não mais alcançava. Esse lugar se chama Brasília. É de onde teclo estas sandices. E foi onde conheci meu amigo Ari. Aristóteles. Uma ave vira-bosta de espantosa cultura, com quem aprendi os prazeres da filosofia e... da crônica política.


O que sou. De onde vim. Para onde vôo.

Dos maiores perigos da vida de um pernilongo, os inseticidas e as lagartixas são menos piores que a acomodação. Um inseto resignado se torna presa fácil, inclusive dos inseticidas e das línguas bipartidas das lagartixas e dos répteis. Comigo também foi assim. Sobretudo por causa de minha infância privilegiada.

Até a adolescência, nunca havia passado perto de um pneu cheio d´água, de um vaso de planta ou de uma garrafa velha acumulando sujeira em estado líquido.Nasci de um prato de sopa de trufas francesas que um rico banqueiro esquecera esfriando durante dias, entre as árvores exóticas do jardim suspenso de sua cobertura milionária. A sopa esfriou, apodreceu e se tornou um criadouro de larvas de pernilongo. Foi assim que, pouco tempo depois, pude ver a luz desse mundo. Sob a forma de uma lâmpada de 100 watts.

Meus irmãos e eu aprendemos desde cedo a única regra de sobrevivência das muriçocas: ter cuidado para não virar comida de lagartixa, ser esmagado em mãos humanas ou atingido por um jato de baigon. Tempo feliz, aquele. Durante o dia, azoinava aqui e ali, dormia e passeava em vôos rasantes pelos enormes cômodos do apartamento. À noite, faminto, fartava-me nas ricas veias de meus senhorios.

Bem verdade é que era eu um invertebrado muito observador. Aprendi inglês, francês e espanhol em tempo recorde. Descobri tudo sozinho, inclusive a principal diferença entre os patrões e os empregados: os ricos são os mais espaçosos, aqueles que têm a voz mais estridente e o sangue mais farto e saboroso para um inseto de gosto refinado. Já os empregados, magros, arcados para a frente, os olhos saltados, a mim pareciam versões maiores das muriçocas. Com a desvantagem infeliz de não possuírem asas e terem de pagar pela própria comida.

Todas as facilidades da vida faziam de mim um pernilongo feliz e... acomodado. Conclusão. Mal entrei na adolescência, já achava a existência muito, muito chata. Andei deprimidão, voando macambúzio. Resignado. Uma perfeita presa fácil.

Um dia, lá estava eu absorto em pensamento no calor de uma lâmpada incandescente quando senti a presença gelada de meu algoz. Uma lagartixa rajada, os olhos esbugalhados e o estômago vazio.

Tentei fugir mas não deu jeito. Ela me encurralou num canto de parede e já preparava sua língua pegajosa para o bote. Quando se deu um milagre.

Pissshhhhhh!

Num jato fulminante, uma maria-fedida lançou contra a lagartixa o borrifo perfumado que utilizava para se proteger de seus predadores. E o réptil, alérgico a produtos naturais, fugiu espirrando feito um louco.

A maria-fedida acabara de salvar a minha vida. Nada estranho que também a transformasse para sempre. Chamava-se Zenaide. Graças a ela, troquei o sangue pelas frutas. E me tornei um pernilongo vegetariano para sempre.

Wednesday, February 27, 2008

Crônica de uma chinelada anunciada.

Ah... bons interlocutores estão cada vez mais raros. Seres como a Creuza, uma barata voadora culta, inteligente, observadora e generosa estão acabando. Pois lá estávamos a Creuza e eu falando irresponsavelmente sobre assuntos que desconhecíamos. A geografia da lua, as fazendas de pérolas, o preço do camarão, os cangurus pugilistas. E por algum motivo lembramos de meu amigo Ari, o Aristóteles, uma ave vira-bosta de espantosa cultura.

Disse eu à Creuza que de todos os axiomas e pensamentos, de todas as frases e idéias de Ari, minha favorita era aquela do animal político.

“O homem é um animal político”

Ela concordou e acrescentou:

- E todo político é um animal em forma de homem. Animal de tetas, rabo e bigode.

Irascível, a barata se pôs a falar e trepidar as asas.

- É isso mesmo! Só uma intenção predadora explica os bilhões de reais gastos pelos deputados e senadores com os salários de seus funcionários! E os atos secretos! E a cara de pau!

Para uma barata, ela estava cheia de informações.

- A Câmara dos Deputados tem cerca de 14,7 mil funcionários. São 29 empregados por parlamentar. É mole, pernilongo?

Ela andava em círculos e continuava.

- Quer mais? Olha os sites do governo. Só o Senado Federal tem 6.248 funcionários. São 77 para cada Senador. Um disparate!

A barata insistia.

- E os salários e benefícios dos próprios parlamentares, então? Essa gente ganha dinheiro demais em um país miserável! As conquistas da democracia no passado são usadas hoje contra os cidadãos. Deputado ou senador nenhum está interessado em ajudar o povo que paga impostos! Essa gente quer é aumentar os seus rendimentos! O povo precisa ir às ruas, pegar em armas!

Creuza tomava fôlego para continuar seu discurso inflamado quando um súbito deslocamento de ar e um estouro me lançaram para o alto.

PÁÁÁÁ!

O aguçado reflexo das muriçocas me fez voar para longe do estrondo. Pousei na parede, olhei para baixo e me dei conta do que acabara de acontecer. A pobre barata jazia esmagada no chão, sob uma legítima sandália Havaianas.

E ainda dizem que a censura acabou. Conta pra eles, Estadão!

Barriga cheia. Cabeça murcha.

Visto daqui do alto deste lustre empoeirado, o mundo anda estranho. O ar está infestado de muriçocas que me envergonham de minha própria espécie. Desinformadas e avoadas. Pernilongos que não se interessam por nada além de chupar sangue e dormir nos fios elétricos. Não lêem, não ouvem, não vão ao cinema. Vivem assim, levadas pelo vento. Quando se dão conta, seu único e longo dia de vida passou inteiro num sopro.

Diga para mim: pode haver criatura mais chata no mundo que um mosquito sem assunto? É o fim. Aquele zunzunzum sem conteúdo me mata. As muriçocas não lêem mais. Nem um breve flutuar de olhos pelos livros que os humanos fingem ler antes de dormir. A pernilongada quer mesmo é ir direto à comida. Mal a pessoa fecha os olhos, lá vamos nós, canudo em riste, rumo às veias dos homens. Eu, não. Que sou vegetariano praticante e leitor sugador. Mas os da minha casta, via de regra, estão assim, voando em círculos. Barriga cheia. Cabeça murcha.

Cada dia mais parecidos com uns espécimes de cabeça, tronco e membros que eu conheço.

Tuesday, April 24, 2007

Sangue unissex.

A ciência dos homens insiste em acreditar que só os pernilongos fêmeas se alimentam do sangue alheio enquanto nós, mosquitos machos, preferimos o néctar das frutas. Tremendo engano. O SIM (Serviço de Inteligência das Muriçocas) fez um ótimo trabalho. Inventou essa história para ganhar a simpatia dos movimentos feministas e os burocratas pagos para preencher os livros de zoologia caíram.

Vai aqui o depoimento de um representante legítimo da espécie: até hoje, alguém aí já viu um pernilongo atestar essa tese cretina? Logo, é mentira. Invenção da preguiça falaciosa dos cientistas de duas pernas e meio cérebro. Eu mesmo, muriçoca heterossexual, passei boa parte da vida cravando meu canudo na carne humana. E conheço muriçoca fêmea que não encara sequer um chouriço, tamanho é o seu horror do líquido vermelho e viscoso que corre nas veias.

No meu caso foi diferente. Deixei os hábitos hematófagos quando descobri a mexerica, o suco de tomate, a raspadinha de jaca, a pera asiática e outras benesses da feira livre. O frescor da poupa e a doçura da sacarose são infinitamente superiores à mornidão e às toxinas do sangue de outrem. Mas foi porque eu quis. E não porque no mundo dos pernilongos há uma lei que determina a dieta dos machos e das fêmeas.

É por isso que apoio toda investida de meus parentes contra a carne humana. Machos e fêmeas. Suguem com vontade as veias dessa gente. Sobretudo se as vítimas forem políticos, síndicos, profissionais de atendimento em agência de propaganda e quaisquer pessoas que saem acreditando em tudo que lêem no jornal. Esbaldem-se!

E deixem o sumo das mexericas para mim.

Monday, January 22, 2007

Esse mundo é uma grande pupunha.

A memória gastronômica de um pernilongo comum é a mais apurada de todo o reino animal. Porque o universo de suas preferências alimentares é muito pequeno. Sangue e seiva. Por isso, quando prova um prato diferente, muriçoca nenhuma esquece tão fácil. O sabor inusitado gruda em sua memória como a bunda de alguns deputados se cola às cadeiras da Câmara, muitas vezes por mais de vinte anos.

Quando me tornei um pernilongo vegetariano, meu amigo Aristóteles, o Ari, uma ave vira-bosta de espantosa cultura, me ofereceu uma salada de palmito. Passei aquele mês inteiro me perguntando como havia conseguido viver até então sem aquela preciosidade. Sensacional, aquele sabor. Nunca mais esqueci.

Bom que se diga que àquela época ainda se consumia palmito de verdade. O original, de nome científico Euterpe Edules, extraído da palmeira Juçara (tinha que ser obra de mulher!).

Mas aí a ganância dos produtores, estrábicos insistindo em subtrair das palmeiras sem nada lhe dar em troca, sem investir no reflorestamento, provocou a quase extinção dessa árvore.

Então surgiram restrições absolutas ao comércio de palmito da palmeira Juçara. Conheço gente que quase morreu de tristeza. Multidões rumavam para os supermercados em busca da iguaria e nada encontravam.

Para não perder suculentas fatias do mercado-consumidor, os produtores descobriram um substituto para o original. E passaram a cultivar uma cópia do palmito. A pupunha.

Extraído das palmeiras de mesmo nome, esse palmito lembra de longe o sabor do legítimo. Mas é apenas uma tentativa. A verdade é que não existem mais palmitos como antigamente. Quem acha que ainda come salada, pastel, torta ou empada de palmito está indigestamente enganado. E comendo pupunha!

Não há mais o palmito autêntico nas mesas. O que aí está é tudo pupunha.

Mais ou menos o que acontece no mundo hoje em dia.

Não há mais nada original. Os grandes planos de governo são as mesmas tentativas de alguém tentando levar vantagem. As grandes perspectivas são repetidas esperanças de suavizar a dor em uma vida mediana. Nossas maiores preocupações são velhas formas de nos mantermos ocupados adiando aquilo com que realmente devíamos nos ocupar.

Acabou a originalidade.

Grandes seres humanos são pequenos verbetes nos grandes livros. Homens e mulheres de sentimentos largos, idéias maiúsculas, vontades extensas e espíritos longos passam longe das páginas das revistas de celebridade, das câmeras de TV. Portanto, não existem.

Não se escrevem mais grandes histórias originais. Não há cantores, compositores, músicos, artistas e nem platéias autênticas. É tudo maneirismo.

É tudo pupunha.

O que mais existe nos dias de hoje é gente conformada, com aquele discursinho sem vergonha e pseudomoderno:

“que mentira essa conversa dos mais velhos de que as coisas de antigamente eram melhores do que as de hoje...”

Essa gente precisava provar um belo de um palmito de verdade.

Wednesday, December 20, 2006

Parido pelo inimigo.

Meu amigo Ari, Aristóteles, uma ave vira-bosta de cultura espantosa, vive reclamando do próprio nome. Acha-o longo e chato demais. Como a noite dos insones e as novelas do Manoel Carlos. Pobre Ari. Nem mesmo ele que sabe tudo, latim, alemão, filosofia, química, endemias rurais, está livre de cair no mais puro engano. Porque há nomes muito piores por aí, meu caro Ari.

Herodes. Hitler. Mussolini. Jim Jones. Crápulas, facínoras, safados e cretinos ordinários como esses fizeram pouco se comparados com uma espécie de criminoso muito comum que circula impune e vagabundo por aí: o pai que escolhe nomes esdrúxulos para uma criança.

Você, canalha que dá golpe em aposentados! Cretino que obriga sua namorada a fazer um aborto! E você também, verme político que se diz honesto, concede a si próprio um aumento salarial de 91% e aceita ganhar uma dinheirama e um sem número de privilégios em um país miserável! Algum de vocês, por mais sujas que estejam suas fichas, seria capaz de impingir a um recém-nascido o nome de Ermelino?

Ou Valdemar? Adilson? Alberto? Juarez? Benito? Jacinto? Percival?

Bem, todos esses ainda são melhores que os chamados nomes de plástico. Márcio, Marcelo, Vitor, Rodrigo, por exemplo, são uns nomezinhos sem-vergonha. Geralmente, o sujeito com um nome desses é interessante como uma empada murcha.

E Orlando, então? Que mãe teria prazer em amamentar uma criança chamada Orlando?
O sujeito vai crescer e virar operador de telemarketing. Para falar tudo no gerúndio.

- Meu nome é Orlando. Vou estar avisando que se o senhor não estiver pagando seu cartão até amanhã eu vou estar enviando seu CPF para o SPC.

Você, seu pulha da torcida organizada, acha mesmo que um nome estapafúrdio combina com um bebê inocente? É ou não é um calhorda o pai que batiza uma criança com um nome de gosto duvidoso, condenando-a à danação eterna na escola e ao castigo de se apresentar a alguém e assistir a pessoa segurar a risada?

Fosse o mundo mais justo, um pai ou uma mãe desses devia passar um tempo na cadeia por crime premeditado. Imagine uma cela cheia de bandidos recém-chegados. Para descontrair, incentivados por um palestrante indiciado por estelionato eles começam a se apresentar uns aos outros.

— Eu sou Chimbica. Matei vinte e dois na procissão. Muito prazer!
— Meu nome é Coquinho. Joguei minha mãe do viaduto.
— Canibal. Assaltei a igreja e comi o padre.
— E você aí, ó do bigodinho! Qual é a sua graça?
— É José.
— E qual é o seu crime?
— Batizei meu filho como Amarildo. Fui preso em flagrante.
— Pega ele, rapaziada!

Esquadrões de agentes especiais passariam a freqüentar os shows de pagode e música sertaneja atrás desses criminosos. O cantor, um agente disfarçado, jogaria a isca para seus colegas misturados ao público identificarem os bandidos.

“Todo mundo com a mãozinha pra cima aí, gente! Tira o pé do chão!”

E os policiais se preparariam para o ataque.

“Agora só as babás que espancam os filhos dos outros!”

“E cadê os taxistas que enganam o cliente no troco?”

Delírio na platéia!

“Só os sacanas de Recursos Humanos que exploram funcionários xucros!”

A cada nova isca, mais e mais apreensões. Até o cantor encher o peito para o golpe final:

“Quem tem uma filha chamada Odete levante a mão!”

A polícia bateria recordes de prisões.

De fato, seria uma grande idéia punir aqueles que atentam contra o futuro de uma criança. Evitaria a tristeza de gente como o Mercicleiton da Silva Júnior. Passou uma infância sofrida, alvo da troça alheia. Cresceu odiando o próprio pai, o velho Merção, dono da padaria. Canalha supremo, além de estender ao filho a desgraça de seu nome, o velho vivia tentando obrigá-lo a abandonar o sonho de ser maquiador para assumir os negócios da família.

Júnior já havia desistido de lutar contra a vontade do pai. Aceitaria o destino desgraçado de ser o Mercicleitinho padeiro. No entanto, abalado com a morte de seu único e melhor amigo, o Loprefâncio, Mercicleiton Júnior embebeu em álcool dúzias de rosquinhas açucaradas de produção caseira e amarrou-as ao próprio corpo.

Entrou na padaria, tocou fogo na rosca e pôs fim a sua história trágica.

O pai de Juninho nunca assumiu a culpa. E de tanto ouvir sua mulher repetir “eu avisei! Eu a-vi-sei!”, mandou-a embora e se casou com outra, trinta anos mais jovem, que agora está esperando um bebê.

Só para confirmar sua personalidade criminosa, Merção mal consegue dormir. Passa o tempo todo tramando o nome do pequeno.

Tibúrcio? Licurgo? Rolinelson? Nicolau...”

É, Aristóteles. Podia ser bem pior.